O primeiro ponto que vemos relevante mencionar é relativo à proposta da Concessionária, já que foi esta que definiu o âmbito do estudo e o encomendou à Eurocontrol. Este estudo teve o objetivo de avaliar qual das pistas existentes nas bases aéreas na envolvente de Lisboa poderia, em conjunto com Portela 03-21, ter uma capacidade de 72 mov/h. No caso das Bases Aéreas do Montijo e Alverca foram consideradas as pistas:
- Montijo: Pista 1-19 com plataforma 2.250 m (pista 2.150m);
- Alverca: Pista 04-22 com plataforma 3.000 m (pista 2.500m).
Tal como mencionado no artigo II, a Eurocontrol não se debruçou sobre Alverca por considerar que a pista 04-22 não acrescentava movimentos à Portela. Também, quanto à solução Portela com Montijo, a Eurocontrol circunscreveu a avaliação da capacidade teórica do “lado-ar” (excluiu do estudo o efeito das “condicionantes-solo”), tendo concluído que seria possível atingir 72 mov/h neste contexto.
A proposta de fecho da pista Portela 17-35 windshear (em detrimento de manter a pista activa), baseou-se num cenário de condições climatéricas verificadas no passado, que, acreditamos não ser extrapolável de forma fiável, devido às aceleradas alterações climáticas de amplitude e consequências desconhecidas.
A Concessionária, com base no estudo por si encomendado, propôs à tutela uma solução intercalar – que não cumpria nenhuma das condições contratuais para ser Alternativa NAL – mas que, no seu entender, resolvia o défice de capacidade até ao termo da concessão (2062), fazendo 40-45 milhões de passageiros na Portela e 10-15 milhões no Montijo com uma infraestrutura e características minimalistas:
- Duas pistas dependentes: Portela (3.700m) e Montijo (2.400 m) que conseguiriam atingir 64-68 mov/h (observando as condicionantes-solo existentes na Portela: um só taxiway cortando a pista);
- Ganho de alguns Stands de aviões através do encerramento da pista 17-35 windshear e fecho da base aérea de Figo Maduro. Esta proposta reduz o aeroporto da Portela à condição de aeródromo só com uma pista;
- Alargar horário operacional Portela das 5h da manhã à 1h da manhã do dia seguinte;
- Plataforma Montijo com acessibilidade por bus até estação fluvial (4 km) + Barco (13 Km).
Acreditamos que esta solução “provisória-definitiva” é insuficiente face ao crescimento de tráfego verificado em 2016-17 (que foi já muito superior ao estimado aquando da elaboração do estudo). O Relatório ANAC-R. Berger indicava 22 milhões de passageiros previstos para Lisboa em 2020, e que se chegaria a 30 milhões em 2023-24, e que “assumindo a transferência LCC para Montijo a partir de 2020, Portela apenas atingirá 30 M PAX em 2035”. Porém, em apenas dois anos, o boom turístico sobrepassou em muito a estimativa da ANAC-R. Berger (26,7 milhões em 2017).
Revisões mais atualizadas apontam para 40 milhões em 2023-24, caso não haja estrangulamento aeroportuário. Ora, se nessa altura se desviar para o Montijo 9-10 milhões, ainda ficam 30 milhões (em 2024) na Portela, o que antecipa em mais de 10 anos a previsão ANAC-R. Berger (30 milhões em 2035). Por outro lado, desconsidera o contrato de concessão e as anteriores exigências NAER, supõe um assinalável esforço de reorganização militar e, supõe ainda incómodos à sociedade e consequentes perdas a nível turístico.
Impactos da solução “provisória-definitiva” proposta pela Concessionária
1. Lisboa tem hoje um único aeroporto (Portela) e se passar a ter dois aeroportos desligados será preciso negociar com as companhias aéreas as regras de repartição do tráfego e garantir que ambas as infraestruturas terão semelhante nível de acessibilidade. A perspectiva será de um processo semelhante a Milão em 2000. O aeroporto de Linate é um exemplo da dificuldade da negociação da repartição e o aeroporto de Malpensa um exemplo da importância da acessibilidade:
- No caso de Linate as regras estabelecidas pelas autoridades italianas favoreciam a transportadora nacional pelo que, muitas das outras transportadoras entre elas a TAP, reclamaram para as instâncias comunitárias no sentido de declarar a incompatibilidade das regras com a legislação comunitária.
- No caso de Malpensa, as mesmas transportadoras aéreas solicitaram que, independentemente do mérito das regras, elas não entrassem em vigor enquanto o aeroporto de Malpensa não fosse dotado das ligações de transporte adequadas (a ligação ferroviária que hoje existe ainda não estava disponível).
Em Lisboa, no caso da solução da concessionária, colocar-se-ão as mesmas questões mas com mais acuidade devido ao facto das infraestruturas da Portela e Montijo ficarem desligadas (sendo já hoje Lisboa um hub, que Milão não o é) e por actualmente todas as transportadoras usarem a Portela com uma ligação ferroviária (Metro) e no Montijo virem algumas a ter uma ligação de transporte não adequada (barco) até, num futuro incerto, terem uma eventual ligação ferroviária estipulada no contrato de concessão ANA-Vinci para NAL ou Alternativa NAL.
2. A solução proposta pela concessionária tem um elevado impacto na operação militar. Esta vem afetar uma base militar atualmente em funcionamento, devido a acrescentar-lhe movimentos comerciais na ordem de 100.000/ano e à complexidade de gestão partilhada de um volume tão elevado de tráfego numa curta pista (compare-se com Base Aérea de Zaragoza, onde com duas pista paralelas se acrescenta menos de 5.000 movimentos comerciais e carga /ano). Este uso partilhado do Montijo verificar-se-ia num momento em que se perspectiva um papel mais relevante desta base no contexto da NATO:
a) Base Aérea do Montijo: É apoio NATO e a base mais bem apetrechada para as missões de salvamento-humanitárias (abrangência similar a base francesa exclusivamente militar em Cazaux perto de Bordéus) e, em breve, terá de prestar apoio adicional às missões de extinção de incêndios florestais com os novos aviões Embraer que estão para chegar.
b) Campo de Tiro de Alcochete: Situado perto da BA Montijo é actualmente utilizado para treino real da força aérea portuguesa, apresentando condições de excelência e certificação ambiental. A desmobilização desta actividade estratégica é complexa, havendo poucos locais a nível nacional (em equivalentes dimensões e condições técnicas), que possam acolher esta prática (à qual acresce a dificuldade de aprovação por parte de qualquer autarquia).
c) Fechar a Base Aérea de Figo Maduro: As actuais missões que recorrem aos grandes aviões Antonov de carga para levar equipamentos para longínquas paragens (vide 2017), partem desta base aérea devido à existência de uma pista de 3.700m. Na proposta da concessionária de desmobilizar esta base, não mais seria possível realizarem-se este tipo de missões em Lisboa, já que o que propõe para o Montijo é uma curta pista de 2.400 m.
3. Impactos na operação comercial:
a) Aumento do número de desvios – Do fecho da pista Portela 17-35 vai resultar um aumento do desvio de aviões para outros aeroportos nacionais (Porto e Faro) ou espanhóis (Madrid e Sevilha) em caso de condições atmosféricas (vento) mais adversas, o que coincide com o período de Verão, que é também o de maior volume de passageiros (simultânea sobrecarga de Lisboa, Porto e Faro), ou em caso de qualquer forçada interrupção na pista 03-21 (rebentamento de pneu,…).
b) Possível problema de dimensionamento – O número de passageiros por voo é um factor chave a ter em conta no dimensionamento das pistas de um aeroporto (ver nota 2). Este número depende de fatores externos (fora do domínio do gestor aeroportuário), e deve ser sempre considerado de forma conservadora. Observamos que o valor subjacente à proposta da concessionária não foi conservador, tendo optado por considerar este parâmetro elevado. Uma análise à proposta da Concessionária utilizando números mais conservadores, aumenta o risco de problemas de dimensionamento, chegando inclusivamente ao incumprimento de um dos requisitos mínimos no contrato de concessão da ANA (ver nota 2).
c) Consequências negativas de ruído – Os estudos ANA pré-privatização davam conta de uma significativa melhoria de ruído que se verificaria em caso de recuo de 400m da soleira sul da pista 03-21 na Portela, que, na proposta da Concessionária, não se verificaria (os aviões de longo curso continuariam a aterrar nesta pista inviabilizando a redução desta).
d) O horário operacional de Lisboa deve reduzir-se e não aumentar como pretendido pela concessionária. No final de 2018, Lisboa será o único HUB europeu citadino e também o único com sobrevoo de toda a cidade (8 km) a baixa altitude. Somos da opinião que o aeroporto da Portela deve ter um horário mais reduzido e desviar longo-curso e transferências de forma a ter o menor impacto possível no bem estar da população.
e) Aeródromo Portela deverá estar alinhado com as melhores práticas europeias quanto a ruído & safety. Estes são os dois parâmetros determinantes da sustentabilidade ambiental e ainda com maior relevância se o aeroporto for citadino. No final de 2018, no resto da Europa não existirá longo-curso / transferência em nenhuma cidade excepto Lisboa, e todos os aeroportos citadinos terão volume de tráfego inferior a 10 milhões. Seguindo as boas práticas a nível europeu, o máximo de passageiros que o aeródromo PORTELA poderia receber seria de 15 milhões de passageiros médio-curso (patamar 125.000 movimentos com limite do número possível por hora). Na imagem que se segue é possível ver que o aeroporto citadino com mais tráfego situa-se no patamar dos 10 milhões (LINATE – Milão). No final de 2018 nenhum aeroporto citadino europeu terá tráfego acima de médio-curso.
f) O exíguo perímetro do aeroporto da Portela inviabiliza a possibilidade de ser o núcleo principal do HUB dual:
O conhecido problema de dispor de uma pequena a área útil (aprox. 330 ha), levou a construir no passado recente uma solução de recurso enquanto se esperava pelo novo aeroporto de Lisboa. O último aumento de posições em “contacto com o terminal” obrigou a uma dispendiosa deslocalização do terminal de Carga e do parque de Combustíveis, para a obtenção de um total 17 posições em contato, o que é um valor muito reduzido (quase irrisório), para um aeroporto Hub. Compare-se, por exemplo, com a dimensão do aeroporto de Lyon (que nem sequer é HUB) de que a empresa Vinci também é concessionária: Nos anos setenta, o aeródromo citadino de Lyon dedicou-se apenas a voos executivos e construiu um novo aeroporto, fora da cidade, com 600 ha e duas pistas paralelas (4.000 e 2.700 m), com acessibilidade ferroviária suburbano / nacional e TGV. Este aeroporto, que só em 2017 ultrapassou 10 milhões de passageiros (número muito inferior a Lisboa), está neste momento a fazer ampliação para 15 milhões, que prevê 56 posições em contato (27 mangas) num total que ascende a 100 posições.
Nota 1. Necessário uma visão de longo prazo para evitar um limitações ou decisões posteriores de maior custo: A extraordinária dimensão das pistas intercontinentais e respectivas aproximações levam a que, por um lado, sejam as pistas o fator determinante na localização aeroportuária e, por outro, que qualquer processo de mudança ou ampliação de pista possa levar mais de uma dezena de anos, aconselhando-se assim uma visão de longo-prazo em qualquer decisão.
Nota 2. Considerando como referência o número médio de passageiros por voo em Lisboa (130-135) com Madrid (137), Barcelona (146) e Roma (133) (números de 2017), a projeção de volume de tráfego de 55 milhões de passageiros para Lisboa + 10% folga ► 450.000 movimentos/ano, tendo o mês de ponta, dias com mais de 1.000 movimentos, o que requer um par de Pistas paralelas independentes com segurança de potencial 3ª Pista, conforme Requisito Mínimo no contrato de concessão ANA. Nota: Quem estabelece a dimensão dos aparelhos por ligação é a companhia aérea à sua conveniência.