Um dos pontos presentes na visão futura do aeroporto de Lisboa é que este reforce a sua capacidade enquanto aeroporto HUB, isto é, que seja capaz de melhorar de uma forma competitiva a transferência de passageiros pelas várias conexões que dispõe. Uma eventual separação do aeroporto em dois locais desligados viria limitar a competitividade face a outros HUBs europeus. Para viabilizar o crescimento da capacidade de transferência de um aeroporto tipo HUB numa cidade europeia de dimensão média (metrópoles como Londres, Paris e Istambul são casos à parte) é primordial manter o tráfego aéreo unificado* para garantir que a procura de melhorias constantes em termos de eficiência e gestão operacionais são analisadas de uma forma holística.
Por outro lado, para viabilizar e fomentar o crescimento turístico (maioritariamente de curta-duração) é vital que a ligação do aeroporto ao centro seja tão ou mais competitiva (tempo-custo-conforto) que a dos destinos concorrentes.
Além destes dois pontos a visão aeroportuária do HUB Lisboa (horizonte 2062) deve ainda ter como principios basilares:
- Operação em condições de segurança;
- Ruído para os habitantes dentro dos padrões e práticas europeias;
- Infraestrutura com um sistema de pistas independentes (90-95 movimentos/hora) para atender tráfego intercontinental de longa-distância (≥ 3.700 m) com transfer directo entre terminais e capaz de vir a ter um total de Stands ≥ 140-150 dos quais 110-120 turn-around (com pelo menos 80 em contacto), com múltipla conectividade ferroviária.
Tendo em conta a visão para o futuro do aeroporto e os pilares apresentados é importante a análise de dois casos de ampliação recente de aeroportos com dimensões similares (Dublin e Milão) e que ajudam retirar lições aprendidas dos dois modelos distintos que foram aplicados e que devem ser tidos em conta.
Dublin – Ampliação do aeroporto único de Dublin (actualmente em curso) e as semelhanças com o caso de Lisboa.
O aeroporto de Dublin, que no ano passado contou com 29,4 milhões de passageiros (Lisboa teve 26,7) é um dos melhores exemplos de comparação devido às muitas semelhanças:
- Ambas cidades contam com um elevado crescimento esperado em número de passageiros;
- A infraestrutura está perto do centro (a 7 km), tem também 1 pista em uso + 1 windshear e conta com um potencial de crescimento estimado pelo Operador em 36 milhões (2022) e 50 milhões (2037). No caso de Lisboa, após as últimas actualizações, estima-se atingir os de 40 milhões de passageiros em 2023-2024 e 55 milhões no horizonte de projecto;
- Mercado target similar: Dublin atrai até médio-curso que inclui Europa (está mais perto das extremidades Istambul e Moscovo que Lisboa) e América do Norte (está mais perto de Montreal e Nova Iorque que Lisboa) sendo as actuais condições operacionais do aeroporto de Dublin são melhores que Lisboa**;
- Ambos os aeroportos actuais contam com uma infraestrutura semelhante. Na ampliação em curso, a nova segunda pista de Dublin dista 1.700 m (operação independente) da actual pista e é maior que a existente em 350 m. Ficará um aeroporto para 50-55 milhões de passageiros com duas pistas paralelas independentes (3.100 e 2.750) + Pista windshear, com caminho de luzes de aproximação com 900 m em todas as cabeceiras de pistas e o total de stands poderá ir a cerca de 140 sendo ≈ 110 stands turn-around (75-80 em contacto). Os dois terminais são interligados por estrutura aérea com passadeira e ligação aeroporto-centro será por Metro (a concluir até 2025).
Nota: A solução proposta pela Lisboa-concessionária deixaria Lisboa numa situação de desvantagem face a Dublin. A segunda pista a construir com 2.400 m na base aérea do Montijo, diminui 1.300m em relação à existente na Portela (enquanto em Dublin cresce 350 m). Lisboa ficaria com duas pistas entre si desligadas (mas de operação dependente) de 3.700 e 2.400 m (inferior desempenho a par independente de Dublin com 3.100 e 2.750), com taxiway cruzando a isolada pista principal, sem caminho de luzes de aproximação com 900 m em todas as cabeceiras de pistas e sem pista windshear (reduz segurança). Terá ainda um acentuado decréscimo de qualidade para uma significativa percentagem do tráfego (o low cost), sendo-lhe amputada a possibilidade de transfer directo que hoje tem bem como a ligação Metro ao centro (passa a ser por bus + longa viagem por barco).
Milão – Impacto da transformação do aeroporto de Malpensa no aeroporto citadino de Linate.
A infraestrutura citadina (Linate) era semelhante à da Portela em área útil e também não dispunha de possibilidade de expansão do perímetro. Para se manter na equação aeroportuária de Milão, Linate teve de realizar uma redução operacional de tráfego. No entanto Milão por não ser um destino tipo HUB (em Itália o Hub é em Roma) faz com que não seja um factor crítico que os seus aeroportos estejam interligados.
No ano de 1997, Linate tinha 14,3 milhões de passageiros (quando Lisboa tinha 6,8) e no presente ronda 10 milhões (só voos domésticos e internacionais EU ponto-a-ponto) com impostas limitações de 18-20 movimentos /hora. É no aeroporto de Malpensa (exterior com capacidade de 72 movimentos /hora) que está o longo-curso, somando o ano passado os dois aeroportos cerca de 32 milhões de passageiros (Linate 1/3: Malpensa 2/3). Linate tem taxiway (com 60 m largura) paralelo a todo o comprimento de pista, tem caminho de luzes de aproximação com 900 m do lado em que se aterra e tem uma distância entre soleira (ponto de aterragem) e as primeiras casas (que são poucas) ≥ 1.500 m (na Portela pelo lado da cidade estão a cerca de 500 m).
Lições aprendidas da abordagem europeia que foram consideradas na visão da nossa proposta:
Para ser um HUB de sucesso numa cidade europeia de média dimensão deve existir apenas um aeroporto ainda que seja com pistas isoladas e/ou remotas. Uma infraestrutura HUB nunca pode ter uma só pista.
Uma pista windshear não deve ser eliminada pois limitaria a usabilidade do aeroporto em condições de vento desfavoráveis.
Se a solução mais apropriada for um hub dual que inclua um aeroporto citadino deve tentar encontrar-se uma solução que evite/minimize um grande investimento em infraestruturas de suporte (como a construção de pontes). Além deste ponto o aeroporto citadino deve:
- Servir apenas para tráfego até médio-curso;
- Ter o volume de movimentos ano limitado a 1/3 do total do movimento da cidade (tal como em Paris-Orly);
- Limitar o número de movimentos hora a 24-30;
- Reduzir o horário operacional (Paris-Orly, Geneve, etc.).
O aeroporto exterior deve ter capacidade suficiente para aguentar todo o tráfego por um alargado período (superior a 15 anos) caso se tenha de encerrar o aeroporto citadino (imposição da sociedade, acidente, etc.). Todos os potenciais passageiros de um HUB devem ter possibilidade de transfer direto entre terminais e idêntica acessibilidade ferroviária.
A visão da concessionária proposta para a Portela está a ser dirigida no sentido contrário da evolução das condições aeroportuárias no resto da Europa e pode gerar condições de insustentabilidade no curto-prazo
O Presidente executivo da ANA avançou à comunicação social em 19 de Novembro do ano passado que a Portela aguentava 49 milhões de passageiros por ano, contabilizando 44 movimentos por hora, com aumento para 20 horas de funcionamento (das cinco horas da manhã à uma hora da manhã do dia seguinte), com média de aviões com capacidade de 180 passageiros com ocupação de 85%.
O que fica por esclarecer é se os habitantes da cidade de Lisboa aguentam os 49 milhões de passageiros num continuado pico de 20 horas com 44 movimentos hora com todo o impacto social que este volume supõe.
* Foi o que foi realizado com taxiways não-convencionais em Frankfurt (aeroporto tem uma pista isolada do outro lado da autoestrada) e Amesterdão (pista isolada muito remota, em que aeronave tem de passar primeiro sobre uma autoestrada e, mais à frente, sobre outra estrada + canal).
* Já está a operar com optimização “point merger”, a aproximação à pista em uso é sobre campo (em Lisboa sobrevoa 7 km a cidade), tem taxiway paralelo a todo o comprimento da pista (em Lisboa cruza a pista), tem caminho de luzes de aproximação com 900 m de ambos os lados (em Lisboa só do lado norte) e tem 91 stands turn-around dos quais 61 em contacto num total geral que atinge 128 (Lisboa até 55 stands turn-around com apenas 17 em contacto).